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sábado, 14 de dezembro de 2013

Por favor, quero prazo pra juntar a procuração!

Como dizem, puxa-saco, tiririca e formiga, rareiam, mas não acabam. Assim, como todo bom puxa-saco e como tiririca que sou, presto aqui minha homenagem, não só a juíza, mas a amiga Daniela Martins Filippini, que, tendo sido promovida pelo Judiciário, deixará, em breve, a nossa comarca.

Cheguei em Nova Odessa há mais de quinze anos, logo quando iniciei minha carreira profissional. Naquele tempo morava e tinha escritório em Americana e minha convivência era quase que exclusiva com os profissionais de lá. Aqui, não conhecia ninguém e ninguém sabia quem eu era. Como dizem, era uma forasteira, xeretando na cidade alheia.

Comecei a trabalhar aqui aos poucos, de mansinho. Nessa mesma época, quase junto comigo, outra pessoa também chegou, aos poucos, de mansinho. Juntas, cada uma em sua área, e em seu círculo, fomos conquistando espaço e amigos. E assim, em razão da profissão, nossos caminhos se cruzaram.

Confesso que não foi sem certa estranheza que travei meus primeiros contatos com ela. Acostumada a aguardar do lado de fora e, muitas vezes sequer ser recebida, ou, então, sem ser percebida quando convidada a entrar, me espantou a forma educada e cordial com que fui atendida.

Minha presença nunca foi ignorada, minhas palavras sempre foram ouvidas e minhas indagações sempre respondidas com humildade, ainda que fosse para negar o meu pedido.

Acostumei-me com isso rapidamente. Quem não gosta de ser bem tratado, de se sentir bem-vindo? Eu adoro! Tanto que acabei me transferindo para a cidade, de mala e cuia, e aqui me fixei há 12 anos. Claro que essa pessoa não foi a única nem a maior razão para que eu escolhesse Nova Odessa como minha segunda casa, mas foi, sim, um dos motivos que me levaram a ponderar sobre ficar aqui.

Sempre que tive um abacaxi nas mãos e não sabia como começar a descascá-lo, recorria aos seus conhecimentos, aos seus conselhos. E ela, sempre pronta e de portas abertas, me orientava, me dava uma luz ou já me dizia logo: “não sei, dessa vez não posso ajudar”.

Conto isso sem pudor, porque esse não era um privilégio meu, mas de todos os colegas de profissão. Todos, sem exceção, sempre tiveram as portas abertas e a liberdade de expressão respeitada. Todos sempre foram tratados com delicadeza e educação, ainda que suas reivindicações não fossem bem recebidas.

É claro que não sou ingênua em dizer que ela era unanimidade entre profissionais e colegas de trabalho, mas não tenho medo de afirmar que apenas uma minoria era alheia ao seu modo de trabalhar, de pensar, de agir. Por isso falo por mim, mas sei que minhas palavras farão eco no coração de muitos profissionais, de muitos amigos.

Durante esses quase quinze anos de convivência, cercada pelo respeito profissional, mesmo não sendo tão íntimas e próximas, aproveitamos o tempo para estreitar um laço de amizade, de admiração recíproca, de carinho e compreensão.

Sou feliz por tê-la conhecido além da toga austera. Conheci a mulher sensível, mãe dedicada, profissional zelosa, amiga para todas as horas, pessoa generosa e sempre muito justa.

Conheci a juíza que sabia o momento de tomar as rédeas de uma audiência que se perdia em meio a discussões insossas; a juíza que não perdia o humor mesmo durante situações embaraçosas; a juíza que se transformava em mãe em audiências que exigiam, de nós, mulheres, principalmente, muita sensibilidade; e a juíza sensível, que sabia tratar os humildes com respeito e dignidade.

Em todo esse tempo, há coisas que não me esquecerei: em uma audiência de alimentos, o requerido, de nome Benedito, alcoolizado, não parava de repetir que não tinha condições de pagar a pensão. Ela, com toda educação, tentava fazê-lo entender a sua obrigação como pai, até que o ébrio senhor lhe disse: “minha filha, cê num tá entendendo que eu não tenho como pagar e ninguém vai me obrigar”. Pronto, cutucou a onça com vara curta, e, de repente, ela me solta essa: “Mas será o benedito, Seu Benedito”? e continuou repreendendo o dito cujo sobre sua obrigação de pagar a pensão. A essa altura, eu já estava roxa de vontade de rir, porque ao primeiro som do “será o benedito”?, expressão usada por minhas avós, eu já parei de prestar atenção ao resto.

Outra audiência que jamais me esquecerei: um menino de 14 anos molestou um garoto de uns 06 ou 07 anos. Durante a oitiva da pequena vítima, ela pediu que todos se retirassem da sala, e ficamos eu (defensora do menor infrator), ela e o menino. Então, a Juíza deixou sua toga e se tornou a mãe de um menino da mesma idade que aquele ali. Saiu de seu lugar, sentou-se ao lado dele, e com o maior cuidado e carinho, lhe fazendo perguntas do cotidiano, sobre desenhos e brinquedos de ele gostava, foi entrando no assunto e, sem que ele percebesse, foi narrando os fatos sem constrangimento. Naquele dia meu coração doeu, se partiu, assim como o dela. Ambas temos filhos com poucos meses de diferença, e naquele momento, claro, sentíamos como se nossos filhos tivessem passado por aquilo tudo. Com olhos marejados nos olhamos, entendendo perfeitamente o que passava no coração uma da outra, respiramos fundo e prosseguimos a audiência.

Também houve tempo em que trocamos confidências, compartilhamos nossas tristezas, nossos medos, nossos problemas. Também rimos muito, contamos piadas e “trocamos figurinhas” como toda mulher.

Eu sabia que um dia ela não estaria mais aqui. Enfim, este momento chegou. A Dra. Daniela Martins Filipini, juíza de nossa comarca por tantos anos, foi, merecidamente, promovida, e, em breve, seguirá seu caminho profissional em outra cidade.

Sei que ela deve estar muito mexida com essa partida, em razão dos muitos amigos que deixará, mesmo assim, foi algo pensado, amadurecido e preparado para acontecer no tempo certo.

Afinal, sabemos que pessoas passam por nossas vidas a todo instante: umas ficam, outras vão e algumas nem se fazem perceber. Fato é que todas elas, de uma maneira ou outra, deixam as marcas de suas passagens em nossas almas, e, sendo bom ou não, sempre nos trazem algo para refletir.

Sou daquelas pessoas que acredita que amigos são para a vida toda. Para mim, cada um dos meus amigos é uma centelha especial do meu ser. Sou o que sou graças a cada uma dessas centelhas, que sempre, de um modo ou outro, me ensinaram algo bom e me deram a oportunidade de doar algo bom de mim.



Dani, você com certeza é uma centelha da minha humilde existência. Tenho muito a lhe agradecer por ter doado o seu tempo a nos ensinar que as pessoas, apesar de sua cultura, de seu cargo, são todas iguais, perante a lei e aos olhos de Deus.

A saudade dói, é claro, mas não mata. O que mata, aos poucos, é o cansaço da viagem diária de sua cidade até aqui; as poucas horas de convivência com o filho e familiares; a falta de tempo para cuidar de si mesma. Fico muito feliz por você, pois sei que a mudança lhe fará muito bem.


Agora, tenho que confessar uma coisa: estou morrendo de inveja dos advogados de Itupeva! Espero que eles saibam dar o devido valor ao presente que estão recebendo de nós, novaodessenses. E só mais uma coisa: avisa a pessoa que for te substituir que tenho um sério problema com juntada de procurações e cartas de preposição.
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