Como
dizem, puxa-saco, tiririca e formiga, rareiam, mas não acabam. Assim, como todo
bom puxa-saco e como tiririca que sou, presto aqui minha homenagem, não só a
juíza, mas a amiga Daniela Martins Filippini, que, tendo sido promovida pelo Judiciário, deixará, em breve, a nossa comarca.
Cheguei
em Nova Odessa há mais de quinze anos, logo quando iniciei minha carreira
profissional. Naquele tempo morava e tinha escritório em Americana e minha
convivência era quase que exclusiva com os profissionais de lá. Aqui, não
conhecia ninguém e ninguém sabia quem eu era. Como dizem, era uma forasteira,
xeretando na cidade alheia.
Comecei
a trabalhar aqui aos poucos, de mansinho. Nessa mesma época, quase junto
comigo, outra pessoa também chegou, aos poucos, de mansinho. Juntas, cada uma
em sua área, e em seu círculo, fomos conquistando espaço e amigos. E assim, em
razão da profissão, nossos caminhos se cruzaram.
Confesso
que não foi sem certa estranheza que travei meus primeiros contatos com ela.
Acostumada a aguardar do lado de fora e, muitas vezes sequer ser recebida, ou,
então, sem ser percebida quando convidada a entrar, me espantou a forma educada
e cordial com que fui atendida.
Minha
presença nunca foi ignorada, minhas palavras sempre foram ouvidas e minhas
indagações sempre respondidas com humildade, ainda que fosse para negar o meu
pedido.
Acostumei-me
com isso rapidamente. Quem não gosta de ser bem tratado, de se sentir
bem-vindo? Eu adoro! Tanto que acabei me transferindo para a cidade, de mala e
cuia, e aqui me fixei há 12 anos. Claro que essa pessoa não foi a única nem a
maior razão para que eu escolhesse Nova Odessa como minha segunda casa, mas
foi, sim, um dos motivos que me levaram a ponderar sobre ficar aqui.
Sempre
que tive um abacaxi nas mãos e não sabia como começar a descascá-lo, recorria
aos seus conhecimentos, aos seus conselhos. E ela, sempre pronta e de portas
abertas, me orientava, me dava uma luz ou já me dizia logo: “não sei, dessa vez
não posso ajudar”.
Conto
isso sem pudor, porque esse não era um privilégio meu, mas de todos os colegas
de profissão. Todos, sem exceção, sempre tiveram as portas abertas e a
liberdade de expressão respeitada. Todos sempre foram tratados com delicadeza e
educação, ainda que suas reivindicações não fossem bem recebidas.
É
claro que não sou ingênua em dizer que ela era unanimidade entre profissionais
e colegas de trabalho, mas não tenho medo de afirmar que apenas uma minoria era
alheia ao seu modo de trabalhar, de pensar, de agir. Por isso falo por mim, mas
sei que minhas palavras farão eco no coração de muitos profissionais, de muitos
amigos.
Durante
esses quase quinze anos de convivência, cercada pelo respeito profissional,
mesmo não sendo tão íntimas e próximas, aproveitamos o tempo para estreitar um
laço de amizade, de admiração recíproca, de carinho e compreensão.
Sou
feliz por tê-la conhecido além da toga austera. Conheci a mulher sensível, mãe
dedicada, profissional zelosa, amiga para todas as horas, pessoa generosa e
sempre muito justa.
Conheci
a juíza que sabia o momento de tomar as rédeas de uma audiência que se perdia
em meio a discussões insossas; a juíza que não perdia o humor mesmo durante
situações embaraçosas; a juíza que se transformava em mãe em audiências que
exigiam, de nós, mulheres, principalmente, muita sensibilidade; e a juíza sensível,
que sabia tratar os humildes com respeito e dignidade.
Em
todo esse tempo, há coisas que não me esquecerei: em uma audiência de
alimentos, o requerido, de nome Benedito, alcoolizado, não parava de repetir
que não tinha condições de pagar a pensão. Ela, com toda educação, tentava
fazê-lo entender a sua obrigação como pai, até que o ébrio senhor lhe disse:
“minha filha, cê num tá entendendo que eu não tenho como pagar e ninguém vai me
obrigar”. Pronto, cutucou a onça com vara curta, e, de repente, ela me solta
essa: “Mas será o benedito, Seu Benedito”? e continuou repreendendo o dito cujo
sobre sua obrigação de pagar a pensão. A essa altura, eu já estava roxa de
vontade de rir, porque ao primeiro som do “será o benedito”?, expressão usada
por minhas avós, eu já parei de prestar atenção ao resto.
Outra
audiência que jamais me esquecerei: um menino de 14 anos molestou um garoto de
uns 06 ou 07 anos. Durante a oitiva da pequena vítima, ela pediu que todos se
retirassem da sala, e ficamos eu (defensora do menor infrator), ela e o menino.
Então, a Juíza deixou sua toga e se tornou a mãe de um menino da mesma idade
que aquele ali. Saiu de seu lugar, sentou-se ao lado dele, e com o maior
cuidado e carinho, lhe fazendo perguntas do cotidiano, sobre desenhos e
brinquedos de ele gostava, foi entrando no assunto e, sem que ele percebesse,
foi narrando os fatos sem constrangimento. Naquele dia meu coração doeu, se
partiu, assim como o dela. Ambas temos filhos com poucos meses de diferença, e
naquele momento, claro, sentíamos como se nossos filhos tivessem passado por
aquilo tudo. Com olhos marejados nos olhamos, entendendo perfeitamente o que
passava no coração uma da outra, respiramos fundo e prosseguimos a audiência.
Também
houve tempo em que trocamos confidências, compartilhamos nossas tristezas,
nossos medos, nossos problemas. Também rimos muito, contamos piadas e “trocamos
figurinhas” como toda mulher.
Eu
sabia que um dia ela não estaria mais aqui. Enfim, este momento chegou. A Dra.
Daniela Martins Filipini, juíza de nossa comarca por tantos anos, foi,
merecidamente, promovida, e, em breve, seguirá seu caminho profissional em
outra cidade.
Sei
que ela deve estar muito mexida com essa partida, em razão dos muitos amigos
que deixará, mesmo assim, foi algo pensado, amadurecido e preparado para
acontecer no tempo certo.
Afinal,
sabemos que pessoas passam por nossas vidas a todo instante: umas ficam, outras
vão e algumas nem se fazem perceber. Fato é que todas elas, de uma maneira ou
outra, deixam as marcas de suas passagens em nossas almas, e, sendo bom ou não,
sempre nos trazem algo para refletir.
Sou
daquelas pessoas que acredita que amigos são para a vida toda. Para mim, cada
um dos meus amigos é uma centelha especial do meu ser. Sou o que sou graças a
cada uma dessas centelhas, que sempre, de um modo ou outro, me ensinaram algo
bom e me deram a oportunidade de doar algo bom de mim.
Dani,
você com certeza é uma centelha da minha humilde existência. Tenho muito a lhe
agradecer por ter doado o seu tempo a nos ensinar que as pessoas, apesar de sua
cultura, de seu cargo, são todas iguais, perante a lei e aos olhos de Deus.
A
saudade dói, é claro, mas não mata. O que mata, aos poucos, é o cansaço da
viagem diária de sua cidade até aqui; as poucas horas de convivência com o
filho e familiares; a falta de tempo para cuidar de si mesma. Fico muito feliz
por você, pois sei que a mudança lhe fará muito bem.
Agora,
tenho que confessar uma coisa: estou morrendo de inveja dos advogados de
Itupeva! Espero que eles saibam dar o devido valor ao presente que estão
recebendo de nós, novaodessenses. E só mais uma coisa: avisa a pessoa que for
te substituir que tenho um sério problema com juntada de procurações e cartas
de preposição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário